Ao me deparar escrevendo este texto percebi que até mesmo eu sou preconceituosa, tendo em vista que até então nunca tinha pensado na luta feminina como um exemplo de superação. Já chorei em filmes sobre a tortura dos judeus e cheguei a ficar feliz em perceber que muito mudou até hoje para os mesmos. Li coisas horrendas sobre escravidão de negros e índios nas Américas, “vivenciei” lutas étnicas e sociais através dos meios de comunicação e me abalei profundamente com as torturas e injustiças que ocorreram ao longo dos últimos séculos. Mas, nunca tinha percebido por um âmbito curioso, explorador, piedoso e crítico a luta feminina pelo direito à igualdade.
Sinto- me envergonhada quando noto que depois de muitos anos de luta existem mulheres que se prendem ao costume machista que o mundo impôs perante à postura feminina em todo mundo. A “coisa” da submissão é antiguíssima e cômoda para muitas mulheres. É incrível como uma redoma de pensamentos comuns me cegaram perante tamanha beleza e tamanhas injustiças.Tudo bem que as lutas já passaram e que cada uma delas deixou na sociedade uma mostra da importância da igualdade de gêneros. Tudo bem, que eu não convivi e nem vivi uma luta como a de Joana D’Arque, mas, hoje em frente ao computador, deitada na minha aconchegante cama depois de um festivo, surpreendente, assustador e confuso fim de semana - casamento de mais uma amiga de infância, ou seja, encontro com todas as amigas já casadas e eu, uma das poucas solteiras -, penso no quanto esta mulher sofreu e o quanto eu (uma jovem acadêmica de jornalismo que busca sonhos que já fazem parte da audácia da mulher moderna) fui injusta e cruel por nunca ter derramado uma lágrima por isto.
Ícones como Joana D’Arque, Anita Garibalde, as muitas mulheres que morreram na fábrica de tecidos, as inúmeras que queimaram sutiãs, as que revolucionaram o mercado de trabalho, as muitas que foram pioneiras em várias áreas que hoje dominamos não têm de minha pessoa o agradecimento e o prestígio que deveriam ter.
Falando em prestígio, as mulheres que eu muito preso, não são tão famosas como Joana, Anita e nem marcaram a história da revolução social e econômica que é o movimento feminista, mas marcaram a minha vida pela existência e a exemplo delas que hoje chego à conclusão que esta luta é uma das mais antigas, mais fundamentadas e menos valorizadas da história. A minha avó, a minha mãe e minhas tias, são mulheres que me ensinaram a ser forte, a não desistir de objetivos e aceitar que vivo em uma sociedade preconceituosa, machista, mas que vem quebrando barreiras.
Contudo, voltando à análise da minha atitude até então, percebi que foi preciso ser estimulada a escrever sobre algo que eu mesma não aceitava, que em pleno século XXI ainda há preconceitos absurdos à aceitação da mulher no mercado. Há um índice alto de desemprego feminino, há uma falta de respeito quanto aos salários diferenciados pagos para as mulheres que exercem o mesmo cargo que os homens, uma mistificação ainda persistente de que a mulher é um ser reprodutor, sedutor e cuidadoso.
Concordo que mulher é tudo isso, mas não é só isto! A mulher vem mostrando capacidade para enfrentar o mercado de trabalho e tornar-se independente, sem precisar deixar de ser mãe, ícone de beleza e pureza, dona de casa, esposa. “O medo dos homens é perder o posto no trabalho ou perder a submissa em casa?” Esta pergunta ‘grita’ na minha cabeça. Penso eu que são as duas coisas, os homens não são no geral ruins, é que a sociedade já impregnou neles a responsabilidade de comandar e a mulher somente acompanhar.
Retornando ao fato de minhas amigas de infância terem sido mães e se casarem cedo, sem terminar o curso superior, me remete a perceber dentro de mim as dúvidas cruéis que as mulheres modernas enfrentam. Escrevendo estas tão confusas linhas, percebo que minhas dúvidas me dão uma certa inveja delas e ao mesmo tempo um alívio.
Certa de ter orgulho próprio, de alcançar o desejado e planejado, o alívio me invade o peito dando-me a certeza de que estou fazendo a luta por merecer, buscando independência, capacidade profissional e me dando a oportunidade de escolher viver o gostinho do resultado de tantas lutas feministas. Em contrapartida, meu peito se enche de inveja, uma inveja boa, uma inveja que se da não pela vontade de viver o que elas estão vivendo, mas uma inveja fundamentada em embasamentos teóricos culturais que impregnou que toda mulher veio ao mundo para ser de alguém e procriar.
O meu lado mulher de ser, estagnado perante estas situações, sabe que há uma hora certa para cada coisa e não quer ter medo de ser rejeitada por decidir quebra tabus e surpreender, abdicando de um lado feminino de ser e nem quer ser rejeitada por ser ainda romântica.
A luta feminista quebrou barreiras extremas e de fundamental importância para chegar onde estamos, mas ainda não conseguiu vencer a luta maior que é a conscientização que a mulher livre e moderna pertence a mesma mulher encasulada e romântica. A aceitação, o respeito e o entendimento de que a conciliação é o caminho para quebrar o mais feio dos preconceitos, o preconceito próprio.